
06/05/2024
"Porque digno é o trabalhador do seu salário" (Lc.10:7c)
Judas Iscariotes não gostou do "salário" que recebeu por trabalhar com Jesus. Ele era um daqueles que pensava que "a piedade é fonte de lucro" (1 Timóteo 6.5). Ele queria enriquecer. Quando percebeu que não iria fazer fortuna como "tesoureiro do Reino de Jesus" pediu demissão. Pelos três anos de serviço "inútil" de pregação do Evangelho, ele exigiu uma "indenização" de trinta moedas de prata, o preço que se conseguia pela venda de um escravo.
Judas não passou nenhuma necessidade física enquanto foi enviado por Jesus para pregar o Evangelho: todos os obreiros recebiam cama e comida nas cidades onde pregaram. Mas Judas certamente achava que era pouco. Ele provavelmente pretendia ganhar como um funcionário do alto escalão e não viver como um "boia-fria". Não havia contentamento naquele coração.
O provérbio que vamos estudar ensina aquilo que Judas não quis aprender. Qualquer obreiro ou discípulo que não aprender esta lição, pode estar cometendo o mesmo erro de Judas: pode estar comprando sua própria sepultura (Mateus 27.3-10).
RECEBER O QUE MERECE E MERECER O QUE RECEBE
"Digno é o trabalhador do seu salário" (Lucas 10.7) é um dito de Jesus dirigido aos obreiros do Evangelho. Os doze apóstolos foram encaminhados à missão em Israel com este ditado (Mateus 10.10). Os setenta receberam a mesma recomendação (Lucas 10.7). Paulo citou duas vezes este dito, uma vez fazendo referência à sua pessoa e aos obreiros em geral (1 Coríntios 9.14) e outra vez falando especificamente sobre os bispos da igreja (1 Timóteo 5.18)44.
A forma como o ditado aparece em Mateus 10.10 é um pouco diferente da que ocorre no outros textos: "Digno é o trabalhador do seu alimento". O uso do termo "salário" (em Mateus 10.10) ou "alimento" (em Lucas 10.7) não altera o sentido básico do provérbio. O sentido deste provérbio é duplo: o obreiro vai receber o que merece e o obreiro vai merecer o que recebe. Ele vai receber o que merece no sentido de sua segurança pessoal: ele não vai morrer de fome. Ele vai merecer o que recebe no sentido de que não há vergonha nenhuma em ser sustentado: ele é um homem honrado e digno. Ele merece. Assim o Mestre fala aos obreiros de segurança e honra, ligadas ao sustento que recebem por pregar o evangelho.
SEGURANÇA
"Preocupe-se com compartilhar a vontade do Senhor e não com a provisão".
Este é o sentido das instruções dadas por Jesus aos missionários (Mateus 10.9-11; Lucas 9.3-4) sobre o que não levar na viagem missionária (Marcos 6.8-10; Lucas 9.3-4). Não era necessário levar suprimentos ou dinheiro: Deus iria cuidar de tudo. Como? Eles deviam aceitar a hospitalidade e sustento temporário de uma família da comunidade visitada. Eles anunciavam a aproximação do Reino de Deus e nesta qualidade deviam ser sustentados pela comunidade de ouvintes "porque digno é o trabalhador do seu salário" (Lucas 10.7). O obreiro precisa ter fé em Deus e confiança no valor de sua mensagem para deixar por conta de Deus e da importância da mensagem a garantia de sustento.
Jesus foi sustentado pelo Senhor através daqueles que o seguiam (Lucas 8.1-3). Paulo recebeu ajuda (Filipenses 4.10-20) e salário das igrejas (2 Coríntios 11).
Os evangelistas itinerantes do fim do primeiro século eram auxiliados materialmente em seu trabalho (3 João 6). Este provérbio de Jesus recomenda ao obreiro uma postura de fé para que confie no suprimento, sustento e alimento que Deus vai providenciar.
DESPRENDIMENTO
É importante notar que quando Jesus diz ao obreiro que ele vai ter o seu alimento, ele ordena ao mesmo tempo um comportamento desprendido. As recomendações para que não fiquem mudando de local de hospedagem (Mateus 10.11; Marcos 6.10; Lucas 9.4; 10.7-8) visam proibir a busca de melhores acomodações e melhor comida. O obreiro deve ficar contente com o que recebe. Seu alvo é a pregação do evangelho e seu Reino e não o conforto.
Estes textos tratam de obreiros itinerantes que viajavam desacompanhados de família, ou por serem solteiros ou por terem deixado a família em casa (Lucas 18.28). Viajar com esposa certamente traria maiores necessidades (1 Coríntios 9.5). Mas em todos estes casos, o princípio permanece de que o obreiro não trabalha visando ficar rico, mas servir a Deus. O contentamento mencionado por Paulo (1 Timóteo 6.6-10) deve ser a característica do obreiro em relação ao sustento material. O desejo de ter mais é perigoso e fonte de grandes problemas. O necessário já basta.
HONRA
"Digno é o trabalhador do seu alimento" (Mateus 10.10) fala também que este sustento é algo honrado. No mundo moderno, o sustento obtido no trabalho de evangelização ou de edificação espiritual não é, normalmente, considerado como algo digno. Jesus, porém, afirma que não há nenhuma vergonha em ser sustentado para pregar o Evangelho. De fato, é uma honra. Paulo citou este provérbio de Jesus como Escritura quando falava sobre os dobrados honorários (ou honra) que deviam ser dados aos presbíteros que trabalham arduamente (1 Timóteo 5.17-18). Seu sustento é uma forma de prestar-lhes honra, reconhecendo o valor da obra que fazem.
SALÁRIO E HONORARIO
"O conceito de honorário afirma que existe uma disparidade entre resultado e recompensa, que a atividade, como tal, não pode ser paga. O salário, pelo contrário (em sentido estrito, pelo qual se distingue de honorário), diz que se paga o `trabalho real' ; o salário está em função do resultado e não existe incomensurabilidade entre ambos. Honorário, além disto, significa (no sentido estrito do termo): contribuição para o sustento; salário (no sentido estrito) significa: o pagamento do serviço prestado, sem respeito para as necessidades do sustento."
Tomando esta definição de termos, que vem mais da filosofia do que da Bíblia, pensamos que o obreiro sempre recebe honorário (no sentido estrito), pois o valor da tarefa de pregar o evangelho nunca poderia ser pago, mesmo que todo o dinheiro do mundo fosse utilizado.
A honra intrínseca ao trabalho de pregar o evangelho transparece quando notamos a subordinação dos bens materiais aos propósitos espirituais. A coleta para os irmãos pobres de Jerusalém (Romanos 15.22-28) é anunciada como se fosse uma dívida da igreja gentílica para com a igreja judaica. Já que os judeus deram aos gentios participação nas bênçãos espirituais da salvação, não é pedir demais que os gentios retribuam materialmente através da oferta. Paulo diz: já que o lado espiritual é mais importante, os bens materiais podem e devem ser usados para agradecer aos originadores humanos destes bens espirituais.
A mesma prioridade do espiritual sobre o material se vê na questão: "Se nós vos semeamos coisas espirituais, será muito recolhermos de vós bens materiais?" (1 Coríntios 9.11). O menos importante serve o mais importante: o material serve o espiritual. Paulo, neste contexto, lembrou da frase de Jesus: "Digno é o trabalhador do seu salário" (Lucas 10.7) e disse: "Assim ordenou o Senhor aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho" (1 Coríntios 9.14). Ser sustentado para pregar o Evangelho é um grande privilégio.
"DE GRAÇA RECEBESTES, DE GRAÇA DAI"
O Evangelho e a graça divina nunca se vendem (Mateus 10).
Apesar do Evangelho ser a coisa mais valiosa do mundo e de haver mandamento bíblico para o sustento de obreiros, não se trata de vender o evangelho. A pregação deve ser feita com ou sem recursos (Filipenses 4.10-13). Mas, sem dúvida, o sustento do obreiro auxilia a obra e agrada a Deus (Filipenses 4.14-19).
O obreiro não deve alimentar ambições de progresso financeiro ou material. Tais aspirações marcam o caráter de um homem corrupto (1 Timóteo 6.5). O obreiro autêntico se contenta com o necessário (1 Timóteo 6.6-8). Afinal de contas ele é um homem que prega sobre o mundo vindouro; seria ridículo e contraditório se acumulasse bens no mundo presente. Além disto, o obreiro que corre atrás de dinheiro acaba por perder a fé. (1 Timóteo 6.9-10).
SALÁRIO E MÉRITO (leia Mateus 20:1-16)
" Mas o proprietário, respondendo, disse a um deles: - Amigo, não te faço injustiça; não combinaste comigo um denário? Toma o que é teu e vai-te; pois quero dar a este último tanto quanto a ti. Porventura, não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom? Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos [porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos]."
Do ponto de vista da lógica humana, a queixa dos primeiros trabalhadores parece justa. Quanto mais se trabalha, mais se deve ganhar. Isso pode ser justo quando buscamos receber o que merecemos. Mas na economia do Reino, ninguém quer o que merece. Se fôssemos receber o que merecemos estaríamos todos perdidos. O que nós precisamos é da graça.
Independente do tamanho do sacrifício, todos nós somos igualmente devedores da graça de Deus. O pastor emérito e a faxineira do prédio da igreja, o missionário que labora por cinquenta anos na seara e o aidético que se converte pouco antes de sucumbir. O pobre o rico! Todos devedores.
A atitude de cada um deve ser de gratidão pela imensa bondade de Deus. Talvez os primeiros trabalhadores ficaram por último porque o senhor deles já sabia da sua atitude - ressentimento ao invés de gratidão. Tomara que a mesma coisa não aconteça conosco no porvir. Não importa o tamanho do seu ministério ou da sua dívida em pecados perdoados, o que Deus tem reservado para você é muito mais do que você merece. Dê graças a Jesus pela graça de Deus.
E não se esqueça de ser agradecido pelo sustento do Senhor através do seu emprego. Lembre-se não espere que o Espiríto Santo faça o que compete exclusivamente a você!
Fonte/Autor: IPM